É o primeiro aniversário de São Paulo que tenho a oportunidade de dizer algo sobre ela. De dizer que, ao conhecê-la, temos a noção de a conhecermos muito menos do que conhecíamos. Sabia de ouvido, da poesia concreta de suas esquinas do Caetano, a Torre de Babel da garoa que rasga a carne do Mano Brown, da Selva de Pedras dos Titãs e de quanta dor causava a Tom Zé.
Pois logo que desci em Cumbica, armei um trocadilho esperto para twittar, baseado em Sampa: queria dizer, em poucos caracteres, que não parecia de fato que Rita Lee era a sua mais completa tradução. Pouco tempo depois, a ex-cantora-brilhante, agora só cantora, soltou asneiras preconceituosas sobre Itaquera, ZL.
Alguma coisa estava errada e me pareceu óbvio, por um instante: a Zona Leste é a São Paulo real, expressão mais certeira do caos de uma grande cidade abarrotada que tem na Linha Vermelha, o epicentro da tragédia humana, o "kit de esgoto a céu aberto, de parede e maderit" enquanto Rita, ex-mutante e agora insider, experimentava a São Paulo tucana, da maior frota de helicópteros do mundo, que da ZL tentava, no máximo, o Shopping Anália Franco. Talvez um exagero, certamente uma simplificação barata.
Tamanho rancor se justificava. Deve ter começado da fantasia, que cansei de ler e ouvir, que a Paulicéia não parava e que seria possível encontrar para assistir até mesmo um balé-ucraniano-às-quatro-da-manhã-caso-experimentasse-uma-noite-insone. Do interior pé-vermeio do Paraná, somos paulistas por vontade ainda que sem saber direito o que é sê-lo. No Café mais visitado de Maringá há no Menu a opção "Vila Mariana" e nossa praça central é Raposo Tavares. Corintiano, maloqueiro e sofredor de TV, cheguei me sentindo em casa. Que engano babaca! Logo soube que a cidade não parava, mas o Metrô fechava 0h20 e só voltava a funcionar às 4h40, que o Paraná é tratado como "o Sul" e que o ingresso do Corinthians era o mais caro de todos os clubes da capital (e provavelmente mais caro também que aquele balé russo da madrugada).
São Paulo, no entanto, é ao mesmo tempo menos e mais do que tanto se diz sobre ela. É menos porque não merece carregar, nas costas, a cruz de toda desgraça de nosso modo de acumulação, expansão e exploração do trabalho humano. Ela é apenas o centro que mais longe se permitiu ou conseguiu ir, nisso tudo. Colhe os louros da vitória do capital e o vômito do mal-estar da civilização. E ao mesmo tempo é mais porque, ao condensar tanta gente, tanta força e capacidade criativa, acaba por potencializar, por entre a fumaça que parece chuva e as buzinas que não param, respingos de expressão de dignidade, arte e beleza, grandezas que deviam ser um horizonte, ainda que distante.
Não sei dizer quando fui apresentado à voz de Katie Melua. Não lembro o contexto, menos ainda o motivo. A moça chega a ser uma estrela no Velho Continente, mas por aqui é praticamente uma anônima - e acredito que assim o será até que a Somlivre adquira seus direitos e a entube numa novela dramática no melhor estilo Lara Fabian.
Referências a ela, em português, só as produzidas pelos conquistadores lusitanos e nada além.
Posso lhes dizer, do pouco que sei, que trata-se de uma russa falsificada, estilo Sharapova. Nasceu na Geórgia, mas muito cedo foi pra Irlanda e depois Inglaterra. Descoberta pelo ótimo Mike Batt, faz sucesso de público e crítica.
Aqui, inaugura a seção Mulheres que Cantam, cantando a letra de seu produtor Mike Batt, The Closest Thing to Crazy.
How can I think I'm standing strong? Yet feel the air beneath my feet. How can happiness feel so wrong? How can misery feel so sweet?
How can you let me watch you sleep? Then break my dreams the way you do. How can I have got in so deep? Why did i fall in love with you?
[Chorus] This is the closest thing to crazy I have ever been. Feeling twenty-two, acting seventeen. This is the nearest thing to crazy I have ever known. But I was never crazy on my own. And now I know That there's a link between the two, Being close to craziness, and being close to you
How can you let me fall apart? Then break my fall with lovin lies. It's so easy to break a heart, It's so easy to close your eyes.
How can you treat me like a child? Yet like a child I yearn for you. How can anyone feel so wild? How ca anyone feel so blue?
[Chorus] This is the closest thing to crazy I have ever been. Feeling twenty-two, acting seventeen. This is the nearest thing to crazy I have ever known. I was never crazy on my own. And now I know That there's a link between the two, Being close to craziness, and being close to you
Sei que há milhões de dólares em disputa, survey, estatísticas de TiVo, atração de anunciantes, mediocridade da noção publicitária (como tudo o resto do que envolve essa área) de "o-que-o-público-quer",vaidade, concorrência no horário, audiência, cláusulas, etc, etc, etc no caminho entre o sucesso e o fracasso das empreitadas da indústria cultural dos seriados dos Estados Unidos.
Sugiro, no entanto, um método muito mais rápido e objetivo dos executivos dos grandes canais da poderosa nação resumirem essa dolorosa jornada de gastos e investimentos que começa na promoção desenfreada de uma grande idéia e culmina no cancelamento quase obscuro que não dá nem rota de página (como se ainda alguém lesse alguma página, que dirá as notas) daquele frustrado empreendimento: apresento-lhes, eu.
Vendo meus serviços por módicas verdinhas e posso fazer aqui mesmo de casa. Funciona assim: vocês me apresentam a série - uns dois ou três episódios e eu vos digo, na simplicidade de alguém que não sabe o que é argumento ou teleobjetiva, minhas impressões sobre a peça. Caso eu goste, não tenha dúvidas, aborte.
Pois sou uma espécie de Simon Cowell da teledramaturgia às avessas. Tudo que acho brilhante e genial é jogado ao limbo. O que acho bocó, medíocre, previsível ou bobinho, resiste bravamente às temporadas de corte de gastos e cancelamento.
Poupe seus marketeiros, seus consultores, suas estatísticas, todas essas ciências baratas dos tempos da grana. Recorram ao meu bom e velho pé-friismo. É mais barato, e funciona e como gosta todo bom capitalista, te poupa de tantos gastos e aumenta tua margem de lucro.
A Editora Globo, em uma parceria entre as revistas Galileu e Época com consultoria do Anglo Vestibulares, levou às bancas neste fim de ano uma espécie de "Intensivão" para os Vestibulares de 2009. A pretensão é simples: "Tudo o que foi notícia no ano e vai cair nas provas" por apenas nove e noventa.
Se exagerarmos um pouco, dá pra dizer que a publicação reúne o que há de ruim (no que a gente sem muito critério pode chamar) de formatação ideológica. Arrisco aproximá-las, no sentido que as Organizações Globo - em que se pese certa independência editorial entre a Rede Globo, a Editora, a CBN, Globosat, O Globo, a Rádio Globo, etc - estão para os fatos como estão os Cursinhos Pré-Vestibulares para a educação. A associação é simples: ambas primam pelos cifrões como mola propulsora das ações. Se para a gigante da comunicação, a informação é mercadoria a ser negociada aos que dela se interessarem, para os executivos da lousa, a formação educacional é reduzida às leis do mercado (e da selva, sustentada pelas concorrências absurdas para ingresso nas elitizadas universidades públicas).
Pois as duas forças em questão guardaram algumas páginas de sua publicação caça-níquel para se dedicarem a Israel. A página 28 da revista traz o título "Desenvolvimento e Instabilidade"e faz uma ode ao amor à ciência que tem aquele país da "mais dinâmica economia do Oriente Médio". Sublinhado, avisa que "O fracasso dos esforços de paz se deve à incapacidade da comunidade internacional de achar caminhos de conciliação entre israelenses e palestinos, aos extremistas que não reconhecem o direito de Israel à existência e também a isralesenses que só confiam em soluções militares". Há ainda duas caixas de texto na página que arriscam fazer um arremendo histórico da Questão Palestina e da Fundação do Estado de Israel. No canto, há ainda uma entrevista com o vice-presidente executivo da Federação Israelita do Estado de São Paulo, Ricardo Perkiensvtat, que segue a cartilha: lamenta os conflitos, mas se orgulha do país que cresceu tão rápido, porque "trata-se de um povo obstinado que sempre se dedicou muito ao trabalho".
Mas a idéia central que parece encantar/perturbar os editores que trabalharam nessas páginas é, como mostra a pergunta de Giselle Godoi e Marcus Vinícius Pilleggi, essa aparente dinâmica contraditória entre desenvolvimento e instabilidade. Foi essa dualidade que os levou a perguntar a Perkiensvtat: "De que maneira o país consegue balancear seu grande desenvolvimento, especialmente tecnológico, com os constantes conflitos que o assolam"? A resposta mantém a distância entre os conflitos e o enriquecimento: "Há excelentes institutos de pesquisa, reconhecidos em todo mundo. E, apesar de os conflitos serem muitos, o exército de Israel faz com que eles fiquem do lado de fora das fronteiras. Claro que quando acontecer o processo de paz vai haver muito mais dinheiro para investir na pesquisa".
Barghouti argumenta: "Existe, em Israel, um importante complexo militar-industrial, semelhante ao que, desde 1960, o presidente Eisenhower denunciava, nos EUA. E este complexo militar-industrial lucrou muito com as sucessivas guerras de Israel contra os Estados árabes, assim como lucra com o conflito contra os palestinos"."É muito mais sofisticado que seu homólogo norte-americano. Pode-se defini-lo como um complexo militar-industrial-computacional. É alimentado por todas as guerras que se sucederam desde 1948. E faz de tudo para manter os enfrentamentos e a conflitualidade em geral, à custa dos próprios cidadãos israelenses, eles mesmos as primeiras vítimas"."Israel é, não só uma potência nuclear mais importante, por exemplo, que a França; também se tornou um dos principais exportadores mundiais de armas e de dispositivos de segurança". "Segundo estatísticas recentes, Israel é o quarto maior exportador de armas do mundo: depois de EUA, Rússia e França. Mas não se contenta com exportar armas. Cada vez mais, Israel exporta dispositivos eletrônicos de segurança, sistemas de alerta e de defesa, técnicas de controle, equipamentos de vigilância e prevenção etc. E, como o senhor sabe, depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, a venda destes produtos aumentou muito". "Os conhecimentos adquiridos no exército ou nas atividades de repressão, eles os põem a serviço de empresas especializadas em segurança e na prevenção de ataques ou em controles sobre a vida dos cidadãos. Assim, Israel tornou-se um dos maiores exportadores mundiais de sistemas de vigilância e segurança. Por esta mesma lógica, pode-se dizer que Israel usa, em vários sentidos, a Cisjordânia e Gaza como laboratórios para testar e aperfeiçoar novas técnicas de controle de indivíduos. São técnicas que também, adiante, poderão ser exportadas".
Por mais iniciado que o sujeito seja, é impossível não se impressionar toda vez que o argumento do complexo-industrial-militar surge na mesa. Foi assim, impressionado e com um frio na barriga aterrorizante que conheci a mais nova invenção da ciência israelense, que corrobora perfeitamente com os fatos que trouxe a entrevista do resistente palestino: trata-se do Counter-Strike humano (como bem batizou o amigo Marlon Krüger). Os orgulhosos soldados israelenses explicam do que se trata:
Não acredito que estejam, o Anglo Vestibulares e a Editora Globo, lucrando com o tal comércio da morte. A parceria oportunista entre o que chamei de "o que há de ruim na formatação ideológica" (só) evidencia a trágica desinformação e, antes disso, o alarmante desinteresse na informação, que se faz presente quando se debate (ou melhor, quando se traz à tona, porque raras vezes há debate) a sanguinária ocupação no território palestino.