domingo, 7 de dezembro de 2008

Negócios negócios, pessoas à parte

A Editora Globo, em uma parceria entre as revistas Galileu e Época com consultoria do Anglo Vestibulares, levou às bancas neste fim de ano uma espécie de "Intensivão" para os Vestibulares de 2009. A pretensão é simples: "Tudo o que foi notícia no ano e vai cair nas provas" por apenas nove e noventa.

Se exagerarmos um pouco, dá pra dizer que a publicação reúne o que há de ruim (no que a gente sem muito critério pode chamar) de formatação ideológica. Arrisco aproximá-las, no sentido que as Organizações Globo - em que se pese certa independência editorial entre a Rede Globo, a Editora, a CBN, Globosat, O Globo, a Rádio Globo, etc - estão para os fatos como estão os Cursinhos Pré-Vestibulares para a educação. A associação é simples: ambas primam pelos cifrões como mola propulsora das ações. Se para a gigante da comunicação, a informação é mercadoria a ser negociada aos que dela se interessarem, para os executivos da lousa, a formação educacional é reduzida às leis do mercado (e da selva, sustentada pelas concorrências absurdas para ingresso nas elitizadas universidades públicas).

Pois as duas forças em questão guardaram algumas páginas de sua publicação caça-níquel para se dedicarem a Israel. A página 28 da revista traz o título "Desenvolvimento e Instabilidade"e faz uma ode ao amor à ciência que tem aquele país da "mais dinâmica economia do Oriente Médio". Sublinhado, avisa que "O fracasso dos esforços de paz se deve à incapacidade da comunidade internacional de achar caminhos de conciliação entre israelenses e palestinos, aos extremistas que não reconhecem o direito de Israel à existência e também a isralesenses que só confiam em soluções militares". Há ainda duas caixas de texto na página que arriscam fazer um arremendo histórico da Questão Palestina e da Fundação do Estado de Israel. No canto, há ainda uma entrevista com o vice-presidente executivo da Federação Israelita do Estado de São Paulo, Ricardo Perkiensvtat, que segue a cartilha: lamenta os conflitos, mas se orgulha do país que cresceu tão rápido, porque "trata-se de um povo obstinado que sempre se dedicou muito ao trabalho".

Mas a idéia central que parece encantar/perturbar os editores que trabalharam nessas páginas é, como mostra a pergunta de Giselle Godoi e Marcus Vinícius Pilleggi, essa aparente dinâmica contraditória entre desenvolvimento e instabilidade. Foi essa dualidade que os levou a perguntar a Perkiensvtat: "De que maneira o país consegue balancear seu grande desenvolvimento, especialmente tecnológico, com os constantes conflitos que o assolam"? A resposta mantém a distância entre os conflitos e o enriquecimento: "Há excelentes institutos de pesquisa, reconhecidos em todo mundo. E, apesar de os conflitos serem muitos, o exército de Israel faz com que eles fiquem do lado de fora das fronteiras. Claro que quando acontecer o processo de paz vai haver muito mais dinheiro para investir na pesquisa".

Cabe saber, porém, de que maneira é possível dissociar o desenvolvimento científico e econômico de lá das linhas de combate que transformaram aquele pedaço circunscrito de terra em uma das zonas mais sangrentas do século XX e XXI. Escapa, ou por interesse ou por desinformação, que a "instabilidade" (como se fosse possível qualquer tipo de ocupação "estável") é lucrativa. Sobre isso, há uma convincente entrevista concendida a Ignácio Ramonet no Le Monde diplomatique do líder da Iniciativa Nacional Palestina, Mustafá Barghouti.

Barghouti argumenta: "Existe, em Israel, um importante complexo militar-industrial, semelhante ao que, desde 1960, o presidente Eisenhower denunciava, nos EUA. E este complexo militar-industrial lucrou muito com as sucessivas guerras de Israel contra os Estados árabes, assim como lucra com o conflito contra os palestinos"."É muito mais sofisticado que seu homólogo norte-americano. Pode-se defini-lo como um complexo militar-industrial-computacional. É alimentado por todas as guerras que se sucederam desde 1948. E faz de tudo para manter os enfrentamentos e a conflitualidade em geral, à custa dos próprios cidadãos israelenses, eles mesmos as primeiras vítimas"."Israel é, não só uma potência nuclear mais importante, por exemplo, que a França; também se tornou um dos principais exportadores mundiais de armas e de dispositivos de segurança". "Segundo estatísticas recentes, Israel é o quarto maior exportador de armas do mundo: depois de EUA, Rússia e França. Mas não se contenta com exportar armas. Cada vez mais, Israel exporta dispositivos eletrônicos de segurança, sistemas de alerta e de defesa, técnicas de controle, equipamentos de vigilância e prevenção etc. E, como o senhor sabe, depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, a venda destes produtos aumentou muito". "Os conhecimentos adquiridos no exército ou nas atividades de repressão, eles os põem a serviço de empresas especializadas em segurança e na prevenção de ataques ou em controles sobre a vida dos cidadãos. Assim, Israel tornou-se um dos maiores exportadores mundiais de sistemas de vigilância e segurança. Por esta mesma lógica, pode-se dizer que Israel usa, em vários sentidos, a Cisjordânia e Gaza como laboratórios para testar e aperfeiçoar novas técnicas de controle de indivíduos. São técnicas que também, adiante, poderão ser exportadas".

Por mais iniciado que o sujeito seja, é impossível não se impressionar toda vez que o argumento do complexo-industrial-militar surge na mesa. Foi assim, impressionado e com um frio na barriga aterrorizante que conheci a mais nova invenção da ciência israelense, que corrobora perfeitamente com os fatos que trouxe a entrevista do resistente palestino: trata-se do Counter-Strike humano (como bem batizou o amigo Marlon Krüger). Os orgulhosos soldados israelenses explicam do que se trata:


Não acredito que estejam, o Anglo Vestibulares e a Editora Globo, lucrando com o tal comércio da morte. A parceria oportunista entre o que chamei de "o que há de ruim na formatação ideológica" (só) evidencia a trágica desinformação e, antes disso, o alarmante desinteresse na informação, que se faz presente quando se debate (ou melhor, quando se traz à tona, porque raras vezes há debate) a sanguinária ocupação no território palestino.